O Lixão de Oxirrinco

Teo ria da computação Matemáticas dos Mundos

mapa oxyrhinchus
A localização do sítio era a aproximadamente 300 km ao sul da metrópole costeira de Alexandria, ou 160 km a sudoeste do Cairo (antiga Memphis). Fica às margens do Bahr Yusuf, um afluente do Nilo que termina no oásis de Fayum. Fonte: POxy: Oxyrhynchus Online
        Oxirrinco era uma cidade próspera, considerada a terceira cidade do Egito no período helenístico (século IV a.C.). Era cercada por muros. Ao redor destes muros formou-se um depósito de lixo urbano, destino de todo tipo de rejeito: cartas pessoais, notas de compras, escritos, moedas, vasos, etc.

        As condições do deserto (muita areia e pouca chuva) criaram uma situação bastante propícia para a conservação do que foi depositado ali, de modo que o material atravessou 23 séculos em bom estado de conservação. Porém, ao fim do século XIX, 1895, o lixão foi encontrado e remexido pelos arqueólogos Grenfell and Hunt. O que foi percebido foi catalogado e, via Oxford, espalhado pelo mundo ocidental. Atualmente parte do material está em museus, outras partes estão em coleções particulares.

        Todo tipo de registro havia no lixão de Oxirrinco. De textos do Novo Testamento aos "Elementos" de Euclides, de listas de compras a relatos de casos corriqueiros, de registros legais à carta do adolescente Theon, que, irônico e malcriado, disse a seu pai:

Foi tão gentil da sua parte não me levar para a cidade. Se você se recusar a me levar com você a Alexandria, não lhe escreverei uma carta, nem falarei com você, nem lhe desejarei boa saúde. Se você for a Alexandria, não vou mais pegar sua mão ou cumprimentá-lo novamente. Se você se recusar a me levar, é isso que vai acontecer. E minha mãe disse a Archelaos: 'Ele está me perturbando. Leve-o embora!' Foi bom você me enviar esses presentes. Tudo lixo. Eles me tiraram do trilho no dia 12, dia em que você partiu. Bem, então, envie-me, eu imploro. Se não, eu não vou comer, não vou beber!" (Laes 2017 p.19 tradução a partir do inglês)
papiro oxyrhinchus
A imagem mostra fragmentos do livro "A arte do amor", um guia de sexo provavelmente escrito por uma mulher, incluindo descrições de posições sexuais, afrodisíacos e abortivos. Este é o papiro XXIX 2891 de Oxirrinco, que pode ser visto aqui.

        Revoltado com o pai por ter partido de barco de Oxirrinco para a grande Alexandria sem levá-lo, Theonas (forma carinhosa para Theon) é irônico e agressivo. A carta escrita à mão pelo adolescente a seu pai nos traz cenas cotidianas do século I ou II. Por ter acesso ao pergaminho e por dominar a escrita, sabe-se que era de uma família abastada, um pai comerciante que passava longos períodos na cidade grande, e o filho adolescente negociando suas vontades e buscando influenciar nas decisões familiares. Theon finaliza na forma convencional em cartas da época: "Rezo por ti", Theonas. A carta surpreende porque não é muito diferente dos conflitos entre pais e adolescentes dos dias de hoje. São registros da vida, que o lixão não discriminou. Preservou conhecimento e sabedoria tanto em ciência, quanto em cotidiano.

No lixão, matemática e vida se embolam.

Referências

LAES, C. VUOLANTO, V. A new paradigm for the social history of childhood and children in Antiquity. In: Children and Everyday Life in the Roman and Late Antique World. Eds: LAES, C. VUOLANTO, V., Routledge, NY, 2017.
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia
UFRJ
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